domingo, 10 de outubro de 2010

Papo de cafeteria...

    "[...] Ia perdê-la, ela que se forçava a não perder nada de cultural porque assim se mantinha jovem por dentro, já que até por fora ninguém adivinhava que tinha quase setenta anos, todos lhe davam uns cinquenta e sete.." . - Interessante- pensei comigo mesmo. Perguntei ao meu amigo à minha frente se ele gostaria de mais alguma coisa, talvez um café. Ele fez sinal de satisfeito e prosseguiu com a leitura de seu livro.
     Toda semana combinávamos de nos encontrar em uma cafeteria/livraria localizada exatamente no meio do caminho entre nossas casas. Para alguns, bobeira. Para dois senhores de setenta anos aposentados, mania de velho mesmo. Discutíamos de tudo. Algumas vezes, a doce Luísa, garçonete do estabelecimento, tinha que vir e acalmar o coração dos velhos. Sabe como é, idade. Uma vez caí na besteira de me posicionar em relação a uma indignação religiosa minha. Me apeguei a ela quando fui à deliciosa cidade de Ouro Preto, no interior do estado de Minas Gerais. Não entrei em sequer uma Igreja da cidade. Visitei tudo por fora. Sabe por quê? Quando me aproximei da entrada e li que teria de pagar para entrar na Igreja fiquei horrorizado. Afinal, não é esta a casa de Deus e , sendo assim, a casa de todos? Todos com dinheiro, claro. Meu amigo veio com a justificativa de que os funcionários precisavam ser mantidos. Tudo bem. Mas, qual a real necessidade deles? Cadê os padres ou voluntários do local? E, certamente, quem trabalha para a Igreja não trabalha unica e exclusivamente para a instituição.
     Mas, lição aprendida, mudemos de assunto. Não, não se preocupe, não discutiremos política, falta saúde para isso e, com certeza, ânimo.
    -Paulo, você está bem?
    -Hmn?... Ah, sim, estou. Estava distraído, refletindo a leitura do texto.
    - E o que você está lendo?
    - Na verdade, acabei de ler. É um conto, se chama " À procura de uma dignidade", da Clarice Lispector. É um bom texto.
    - Dignidade? Hunf.. Linha de honestidade, quando bem usada, cria uma reputação moral. Acertei no assunto do texto ou nem de perto?
      - Bem engraçado Heitor. Digamos que um terço dele e só isso. Não ouse ficar convencido. Além disso, ele fala daquilo que mais persegue a nós, meu caro. Solidão, indecisão, velhice, o escuro.( risos)
     - Minha nossa Paulo. Só porque somos idosos não significa que devemos sofrer como tais. Vá, toma um café e vê se come alguma coisa.
     - Ô meu amigo. Não é a falta de comida que me atormenta. Veja a maneira que ela situa sua personagem. No início, ela está completamente encurralada, não consegue ver nada além de labirintos. E como termina? A velha implorando por uma porta de saída. Saída do passado dela, da idade em que se encontra, do destino a que ela se fadou. E o que fazer para não chegar a tal ponto?
     - Simples. Repare seus erros no início ou, simplismente, não os cometa. Aliás, melhor ainda, opte pela honestidade. Talvez, se ela tivesse sido honesta, sincera com os outros e com ela mesma, desde o início, não tivesse que estar, ao final de sua vida, procurando a tal dignidade.
     - Hunf... Acho que você estava correto, Heitor. Preciso mesmo melhorar minha alimentação. Luísa, um pãozinho de queijo, por favor!

Um comentário:

  1. Interessante, dignidade é algo meio difícil de se discutir, afinal de contas, nós a temos? Muitas vezes começa a partir da alimentação, citada no texto, mas nem todos podem ter uma alimentação digna, e é aí que entramos no contexto político, mas esse deixa pra lá, até porque, usando as palavras do texto, não temos saúde nem ânimo para isso. A propósito, excelente blog, prima.

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